A relação entre profissionalização e formação superior deve ser revista a luz da sociedade do conhecimento
A ampliação do acesso à educação superior é um dos principais desafios que o Brasil precisa enfrentar para crescer. É esse o motivo que leva o governo federal a empreender ações como os programas Universidade Para Todos e o de Expansão das Universidades Federais.
Os desafios são ainda maiores quando se considera a meta do Plano Nacional de Educação, que estabelece o acesso ao ensino superior de, pelo menos, 30% dos jovens entre 18 a 24 anos. Atualmente, somente 12% dos brasileiros dessa faixa etária estão na universidade.
No país, há cerca de 4 milhões de vagas no ensino superior, das quais apenas 1 milhão nas instituições públicas. Este quadro torna-se mais critico quando se observa a quantidade de vagas oferecidas e não preenchidas nas instituições privadas devido à incapacidade de determinados segmentos sociais arcarem com os custos das mensalidades.
Os investimentos já realizados tornam-se legítimos e necessários quando constatado o papel estratégico das universidades públicas no processo de desenvolvimento do país. Atualmente, cerca de 93% dos programas de pós-graduação estão concentrados nessas instituições, responsáveis por 97% da produção científica do país. Seu papel, portanto, não está restrito ao ensino, mas, também, à pesquisa científica e à extensão universitária, como determina a Constituição Federal.
Crise – Durante a década de 90, as universidades brasileiras enfrentaram grande crise: de recursos financeiros e humanos. Assim, durante o primeiro mandato do presidente Lula, o debate no campo universitário girou em torno dessas questões. “Arrumar a casa para depois crescer ou crescer arrumando a casa?” Este era o dilema no interior das universidades quando o presidente estabeleceu a prioridade de expandir vagas no ensino superior.
Durante os anos 2003/2006, simultaneamente à criação de dez universidades federais e implantação de 49 campi universitários no interior do país, o governo federal autorizou a contratação de mais de 9 mil professores e de 14 mil técnico-administrativos, números que representam um acréscimo de 21,9% de pessoal das universidades.
Em relação ao orçamento, o aumento global nos orçamentos das instituições de educação superior foi de 31,5%, entre 2002 e 2007. Os recursos destinados ao investimento das universidades federais foram elevados em 905%, enquanto que para o custeio, o crescimento registrado foi de 63,5%.
Certamente, a situação do ensino superior federal obteve uma significativa melhora em termos de pessoal e orçamento, mas o desafio de ampliar o acesso ao ensino superior ainda não foi superado.
Reuni – Com cerca de 10 milhões de jovens matriculados no ensino básico e o novo estimulo criado pelo Fundo Nacional da Educação Básica (Fundeb), a demanda por ensino superior e gratuito aumentará significativamente nas próximas décadas. Neste sentido, o atual modelo de educação superior das universidades federais precisa ser revisto.
Ciente dessas demandas, o presidente Lula sancionou o Decreto nº 6.096, instituindo o Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, conhecido como Reuni e parte do Plano de Desenvolvimento da Educação. O programa possui duas metas: elevar a taxa de conclusão dos cursos de graduação em 90% e aumentar a relação de alunos de graduação em cursos presenciais por professor para 18, num prazo de cinco anos. Atualmente, essa taxa é de 13 alunos por docente.
O sistema federal de ensino superior insiste, ainda, num modelo de educação superior profissionalizante baseado em programas franco-ibéricos, que considera os estudantes egressos do ensino médio como aptos a ingressar no mundo profissional após a conclusão de seus cursos. Contudo, as deficiências do ensino médio não se limitam apenas ao domínio da língua portuguesa, mas são visíveis, também, na (in) capacidade dos jovens em elaborar conexões argumentativas complexas ou realizar abstrações teóricas. Nos exames da Ordem dos Advogados do Brasil, por exemplo, as principais falhas na formação dos profissionais são provenientes de insuficiências do ensino médio.
O resultado é a formação de profissionais com sérias deficiências de escrita, leitura, operações lógicas, ou seja, das habilidades acadêmicas básicas. Assim, jovens de 16 a 18 anos são obrigados a precocemente escolher uma profissão para o resto de suas vidas sem sequer terem domínio básico para tal empreitada.
Ao mesmo tempo, estudos realizados pelo Observatório Universitário demosntram que quase 80% dos alunos matriculados no ensino superior encontravam-se em cursos relacionados às profissões regulamentadas que, ademais, respondiam por 67% dos cursos de graduação oferecidos e por 78% das conclusões.
Excluindo o curso de medicina, mais da metade (53,96%) das pessoas com nível superior nas áreas regulamentadas exerciam trabalhos diversos, não necessariamente correspondentes às áreas em que se formaram. Entre os estudantes de direito, um pouco mais que a metade exerce ocupações na área de formação e entre as engenharias, cerca de dois terços dos formados não trabalhavam na área.
Assim, se por um lado temos um egresso do ensino básico sem condições para a imediata profissionalização devido a deficiências básicas que se reproduzem mesmo depois do ensino superior, por outro, temos um dinâmico mercado de trabalho no que se refere as ocupações profissionais.
O Reuni torna-se, assim, momento propício para que as universidades superem essas dificuldades, distinguindo as profissões do mercado de trabalho da formação universitária, sem desconsiderar os conteúdos profissionalizantes necessários a tal formação, mas o faça a luz da chamada sociedade do conhecimento e das transformações no mundo do trabalho e da sociedade brasileira.
Marcio Alexandre Barbosa Lima é cientista social (USP) e mestre em sociologia (Unicamp)
A ampliação do acesso à educação superior é um dos principais desafios que o Brasil precisa enfrentar para crescer. É esse o motivo que leva o governo federal a empreender ações como os programas Universidade Para Todos e o de Expansão das Universidades Federais.
Os desafios são ainda maiores quando se considera a meta do Plano Nacional de Educação, que estabelece o acesso ao ensino superior de, pelo menos, 30% dos jovens entre 18 a 24 anos. Atualmente, somente 12% dos brasileiros dessa faixa etária estão na universidade.
No país, há cerca de 4 milhões de vagas no ensino superior, das quais apenas 1 milhão nas instituições públicas. Este quadro torna-se mais critico quando se observa a quantidade de vagas oferecidas e não preenchidas nas instituições privadas devido à incapacidade de determinados segmentos sociais arcarem com os custos das mensalidades.
Os investimentos já realizados tornam-se legítimos e necessários quando constatado o papel estratégico das universidades públicas no processo de desenvolvimento do país. Atualmente, cerca de 93% dos programas de pós-graduação estão concentrados nessas instituições, responsáveis por 97% da produção científica do país. Seu papel, portanto, não está restrito ao ensino, mas, também, à pesquisa científica e à extensão universitária, como determina a Constituição Federal.
Crise – Durante a década de 90, as universidades brasileiras enfrentaram grande crise: de recursos financeiros e humanos. Assim, durante o primeiro mandato do presidente Lula, o debate no campo universitário girou em torno dessas questões. “Arrumar a casa para depois crescer ou crescer arrumando a casa?” Este era o dilema no interior das universidades quando o presidente estabeleceu a prioridade de expandir vagas no ensino superior.
Durante os anos 2003/2006, simultaneamente à criação de dez universidades federais e implantação de 49 campi universitários no interior do país, o governo federal autorizou a contratação de mais de 9 mil professores e de 14 mil técnico-administrativos, números que representam um acréscimo de 21,9% de pessoal das universidades.
Em relação ao orçamento, o aumento global nos orçamentos das instituições de educação superior foi de 31,5%, entre 2002 e 2007. Os recursos destinados ao investimento das universidades federais foram elevados em 905%, enquanto que para o custeio, o crescimento registrado foi de 63,5%.
Certamente, a situação do ensino superior federal obteve uma significativa melhora em termos de pessoal e orçamento, mas o desafio de ampliar o acesso ao ensino superior ainda não foi superado.
Reuni – Com cerca de 10 milhões de jovens matriculados no ensino básico e o novo estimulo criado pelo Fundo Nacional da Educação Básica (Fundeb), a demanda por ensino superior e gratuito aumentará significativamente nas próximas décadas. Neste sentido, o atual modelo de educação superior das universidades federais precisa ser revisto.
Ciente dessas demandas, o presidente Lula sancionou o Decreto nº 6.096, instituindo o Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, conhecido como Reuni e parte do Plano de Desenvolvimento da Educação. O programa possui duas metas: elevar a taxa de conclusão dos cursos de graduação em 90% e aumentar a relação de alunos de graduação em cursos presenciais por professor para 18, num prazo de cinco anos. Atualmente, essa taxa é de 13 alunos por docente.
O sistema federal de ensino superior insiste, ainda, num modelo de educação superior profissionalizante baseado em programas franco-ibéricos, que considera os estudantes egressos do ensino médio como aptos a ingressar no mundo profissional após a conclusão de seus cursos. Contudo, as deficiências do ensino médio não se limitam apenas ao domínio da língua portuguesa, mas são visíveis, também, na (in) capacidade dos jovens em elaborar conexões argumentativas complexas ou realizar abstrações teóricas. Nos exames da Ordem dos Advogados do Brasil, por exemplo, as principais falhas na formação dos profissionais são provenientes de insuficiências do ensino médio.
O resultado é a formação de profissionais com sérias deficiências de escrita, leitura, operações lógicas, ou seja, das habilidades acadêmicas básicas. Assim, jovens de 16 a 18 anos são obrigados a precocemente escolher uma profissão para o resto de suas vidas sem sequer terem domínio básico para tal empreitada.
Ao mesmo tempo, estudos realizados pelo Observatório Universitário demosntram que quase 80% dos alunos matriculados no ensino superior encontravam-se em cursos relacionados às profissões regulamentadas que, ademais, respondiam por 67% dos cursos de graduação oferecidos e por 78% das conclusões.
Excluindo o curso de medicina, mais da metade (53,96%) das pessoas com nível superior nas áreas regulamentadas exerciam trabalhos diversos, não necessariamente correspondentes às áreas em que se formaram. Entre os estudantes de direito, um pouco mais que a metade exerce ocupações na área de formação e entre as engenharias, cerca de dois terços dos formados não trabalhavam na área.
Assim, se por um lado temos um egresso do ensino básico sem condições para a imediata profissionalização devido a deficiências básicas que se reproduzem mesmo depois do ensino superior, por outro, temos um dinâmico mercado de trabalho no que se refere as ocupações profissionais.
O Reuni torna-se, assim, momento propício para que as universidades superem essas dificuldades, distinguindo as profissões do mercado de trabalho da formação universitária, sem desconsiderar os conteúdos profissionalizantes necessários a tal formação, mas o faça a luz da chamada sociedade do conhecimento e das transformações no mundo do trabalho e da sociedade brasileira.
Marcio Alexandre Barbosa Lima é cientista social (USP) e mestre em sociologia (Unicamp)
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