O papel atribuído à juventude nos séculos passados foi o de simplesmente substituir os mais velhos. Ou seja, implicitamente, a juventude foi quase sempre negada. Tratava-se de pré-adultos à espera de sua hora e sua vez.
No início da modernidade, os jovens se tornaram uma categoria social. Nem por isso, fizeram-se portadores das novidades. A derrota dos jacobinos, por exemplo, abriu espaço para os jovenzinhos da época do Diretório: ricos e contra-revolucionários.
Foi somente no século XX que a juventude ligou-se a dois atributos essenciais: o consumismo e o sexo. Afinal, esta categoria pode suportar por mais tempo a ambos, desde que as mercadorias sejam compradas com o dinheiro dos mais velhos. Podia-se falar em juventude (de um modo geral), pois nesta fase em que os corpos ainda não se decompõem a olhos vistos, as classes sociais apagam-se momentaneamente.
Ainda assim, os jovens de classe média (pois, apesar de tudo, é um erro não separar a juventude em classes sociais) não se viam como revolucionários em si e por si mesmos. Os jovens do Partido Comunista Alemão e os do Partido Nazista receberam, por certo, o apelo típico dos anos 20 (quando a política radical os descobriu como base mobilizável), mas não pertenciam aos estratos remediados. Ao contrário, eram majoritariamente trabalhadores (ou desempregados) e com escassa instrução escolar.
Os anos 60 descobriram novos jovens. Membros das classes médias com educação superior (em curso), eles passaram a se considerar também uma vanguarda política e cultural. Nunca o tinham sido. Nos partidos comunistas eles pertenciam às sessões juvenis, mas só ascendiam ao comando (salvo exceções) depois dos trinta anos. Gramsci só assumiu um cargo importante no recém criado Partido Comunista da Itália aos 30 anos, pois no PSI não passara de um influente articulista de jornais radicais.
Em 1968, os estudantes descobriram do dia para noite que tinham a possibilidade de parar um país e amedrontar a burguesia combinando protesto político com audácia comportamental. Mas estavam errados. O medo durou enquanto os operários estavam em greve. E a ousadia dos gestos e das vestes foi rapidamente absorvida pelo mercado. O problema é que os parisienses (como já dizia Tocqueville) não sabem fazer duas coisas ao mesmo tempo. Assim, têm a hora de fazer a Revolução e a de fazer a festa.
Todavia, Maio de 1968 fez outra revolução silenciosa. Talvez ela tenha começado antes com a calça jeans ou o Rock. Ela conquistou hegemonia cultural. E o fez com a promessa de abolir hierarquias e rituais. Assim, jogou os homens e mulheres de todas as idades em meio a um mundo aparentemente sem diferenças (quando tudo o que se queria era o contrário disso).
Os próprios jovens de classe média, ao verem projetadas suas culturas nos meios de comunicação de massas, conquistaram aquilo que Gramsci chamaria de direção intelectual e moral sobre as demais gerações. Hoje, todos devem ser jovens qualquer que seja a idade. Afinal, o que importa é o espírito juvenil (convenientemente associado à indústria da estética corporal). Mas os jovens de 68 envelheceram. E houve a tragédia (talvez uma farsa, para lembrar o velho Marx). Antes eram jovens em revolta contra os adultos. Depois, como num conhecido filme aterrorizante, tornaram-se fantasmas que não percebem que já morreram. Eles partilham com seus filhos a mesma cultura, as mesmas vestes, a mesma música, as mesmas drogas. Agindo assim retiram das novas gerações a possibilidade da autêntica revolta.
Hoje, embora o distanciamento histórico ainda não permita concluir com segurança, pode-se dizer que a juventude "meia oito" conseguiu um feito único: projetou sua hegemonia "geracional" no tempo. E o fez, negando-se a envelhecer. Ao faze-lo, ela cometeu o ato mais egoísta de libertação: liberou-se a si própria ao mesmo tempo em que escravizou para sempre todas as gerações futuras. Doravante, estas não poderão mais romper tabus, pois os velhos jovens de 68 aparentemente já romperam todos.
A juventude atual deveria procurar suas próprias armas. Mas têm uma tarefa inédita. Precisa combater num mundo onde todos se disfarçam de jovens.
(*) Lincoln Secco é professor do Departamento de História da USP.
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