29 dezembro, 2008

Josef K. é o novo diretor do Procon em Sorocaba

Hoje, no jornal da TV-TEM, assistimos a uma reportagem digna de Kafka.

O diretor do Procon local foi procurado por equipe da emissora que o indagava sobre a não existência de atendimento preferencial a idosos naquele órgão público.

O diretor do Procon justificou-se, dizendo que conta com apenas três funcionários para atender todos os casos envolvendo o direito do consumidor na cidade de Sorocaba e que, portanto, não tem condições de estabelecer um atendimento preferencial para idosos, deficientes ou mulheres com crianças de colo.

Ao que tudo indica, a manifestação inicial foi gravada "em off", ou seja, com o compromisso de não ser divulgada. Ou a gravação foi feita sem que o entrevistado soubesse.

Logo em seguida, num cena surreal, o diretor do Procon é entrevistado, oficialmente, e diz que há, naquele órgão, atendimento preferencial a idosos, deficientes e mulheres com crianças de colo.

Uma senhora idosa é entrevistada e levada a se emocionar, forçosamente, pelo repórter.

Na sequência, uma representante do Conselho do Idoso também é entrevistada e diz que cobrará "providências". Questionada sobre quais providências, diz que quer providências "drásticas".

Enforcar o diretor do Procon?!?!

Para concluir a matéria, é lida uma nota da assessoria de imprensa da prefeitura, ressaltando o compromisso da "administração Vítor Lippi" com o idoso.

É impressão minha ou estamos numa terra de loucos varridos?

* * * * * * *

"O Processo" é um romance escrito pelo escritor Franz Kafka, e conta a história de Josef K., personagem que acorda certa manhã, e, sem motivos sabidos, é preso e sujeito a longo e incompreensível processo por um crime não revelado.

O Processo apresenta ao leitor a narrativa carregada de uma atmosfera desorientada na qual o personagem Josef K. está imerso. Tal atmosfera deve-se à seqüência infindável de surpresas quase surreais, geradas por uma lei maior e inacessível, que está no entanto em perfeita conformidade com os parâmetros reais da sociedade moderna. O absurdo presente em toda obra é o ponto de partida, sem conclusão, da confusão que se desenrola na mente de Josef K., assim como em todos os ambientes reais nos quais ele está inserido, o que dá ao leitor a sensação incômoda própria do estilo da obra kafkaniana.

Um comentário:

Reinaldo disse...

Trata-se de um problema recorrente no Brasil.

Cria-se uma lei, estabelecendo um direito ou obrigação, mas os legisladores não se preocupam em como a lei em questão será colocada em prática ou fiscalizada.

Sem querer tomar o partido do diretor do Procon, mas o funcionário público de nível inferior na administração tem que "se virar" para cumprir a determinação, sem receber, na maioria das vezes, condições para isso.

Como garantir atendimento preferencial para idosos se não há condições para tanto?

A reportagem falha ao concentrar-se em desmoralizar o diretor do Procon e em não insistir, junto a prefeitura, em cobrar esclarecimento sobre o por quê da falta de estrutura de um órgão tão importante.

Restringe-se, o apresentador do telejornal, a ler uma nota "o governo Vitor Lippi reafirma seu compromisso com o idoso".

Um outro tema para o jornalista: deveria a assessoria de imprensa da prefeitura, que é órgão público, a prestar informações em nome do governo municipal ou deve agir em nome do "governo Vítor Lippi"?

Não há, no caso, uma evidente confusão entre público e privado, aliás comum em gestões tucanas?