19 março, 2010

O ensino público paulista sobreviverá?


O secretário de educação do Estado de São Paulo, Paulo Renato de Sousa, está correto ao insistir em avaliar professores por meio de provas teóricas, propostas para professores temporários e também aos já concursados, para efeito de promoção na carreira. Todavia, a presidente da APEOESP está também correta ao lembrar que, para Paulo Renato, um dos principais problemas da educação paulista é que “os professores são vítimas de um sistema de formação docente que privilegia o teórico e o ideológico em detrimento do conteúdo e da didática” e, sendo assim, é estranho que o governo, nas provas realizadas, tenha insistido no plano exclusivamente teórico. Desse modo, o que Maria Izabel Noronha, da APEOESP, aponta no discurso de Paulo Renato é um erro de coerência entre o que ele diz que pensa e o que ele faz. (Sousa, P.R. Melhora Sutil. JC, 04/03; Noronha, M. I. Pela melhora verdadeira da educação estadual. JC, 18/03)

Não penso que o problema de Paulo Renato, quanto ao que importa objetivamente, que é a melhora do ensino paulista, seja somente o de coerência. Um de seus erros centrais está na sua concepção a respeito da formação dos professores. Seria uma loucura acreditar que os estudantes de pedagogia que, enfim, irão ser os futuros professores de parte considerável do Ensino Fundamental, tenham uma sobrecarga de formação teórica. Paulo Renato parece não fazer a menor idéia do que é um curso de pedagogia. Ele se baseia, muito provavelmente, em estudos da direita política em educação, aqueles de Eunice Durhan (artigo meu) e das ex-secretaria de Educação de S. Paulo, Maria Helena de Castro, que insistem nessa idéia que, se fosse verdadeira, faria dos professores experts na discussão em filosofia, história e sociologia da educação. Mas, sabemos, não é este o caso.

Até mesmo quem não cursou pedagogia sabe bem que essa licenciatura é sobrecarregada de afazeres práticos, com uma quantidade mínima de horas dedicada à leitura dos clássicos e de apreço real ao “teórico”. Entre os cursos de Humanidades da universidade brasileira, o curso de pedagogia é conhecido por ser o menos exigente em termos de “leituras teóricas”. Aliás, a crítica geral do público universitário, seja de professores ou de alunos, é exatamente nesse sentido. Fala-se até em preconceito contra o estudante de pedagogia por causa dessa sua pouca dedicação aos clássicos. Sendo assim, qual a intenção de Paulo Renato ao dizer o que diz? Será que é puro desconhecimento de sua parte? Ele que, como gosta de expor, já foi secretário de Educação de São Paulo (governo Montoro), reitor da Unicamp e ministro da Educação por oitos longos anos, não sabe de nada a respeito do curso de pedagogia? Não creio.

Uma melhor leitura da frase de Paulo Renato pode revelar, talvez, sua verdadeira intenção. Ele não diz somente que a formação do professor é inflacionada teoricamente, ele diz, também, “ideologicamente”. Ah! Eis aí o ponto. Sabendo que Paulo Renato é alimentado por pesquisas com viés conservador, não é de todo descabido conjecturar que ele não faz uma correta distinção entre o teórico e o ideológico e, ao atacar o primeiro pode muito bem estar é preocupado mesmo é com o que pensa ser o segundo termo. Como uma boa parte da literatura pedagógica nossa, em termos bibliográficos, é formada por textos de pensadores de esquerda (Paulo Freire à frente), é provável que Paulo Renato esteja navegando nas águas da revista Veja. Ele ataca a “teoria” porque no fundo quer tirar da formação do professor o que verdadeiramente lhe incomoda, que é postura crítica de nossa literatura pedagógica.

Será que Paulo Renato tem coragem de assumir isso, publicamente, nos termos que a revista Veja, sua promotora, faz de modo escancarado? Será que ele, de público, falaria que quer ver livros de Paulo Freire fora do curso de pedagogia? E ele pararia aí? Talvez Paulo Renato, uma vez encorajado a dizer isso, desse até passos além e começasse a confessar o que outros, próximos a ele, dizem descaradamente, que Rousseau, Dewey, Anísio Teixeira antes atrapalhariam os professores que os ajudariam.

Aliás, já escrevi em livro (Filosofia e história da educação brasileira. São Paulo-Barueri: Manole, 2008) que Paulo Renato faz parte do que chamei de Partido dos Tecnocratas em Educação (PTE), que acredita que a única pesquisa não ideológica em educação é a comprometida ideologicamente com a direita política, e que se quer fazer passar por não ideológica à medida que se recheia de estatísticas.

Até aqui, abordei a questão da formação dos professores. Volto os olhos agora a outro tema enfocado na polêmica entre Paulo Renato e Maria Izabel Noronha. Trata-se do problema central quanto à qualidade do ensino paulista: os salários e as condições de trabalho do professorado.

Maria Izabel de Noronha está correta quando enfatiza que uma boa educação deve ser avaliada olhando para a sociedade e vendo os cidadãos que ela produziu. Justamente os americanos, que a tudo quantificam, fazem isso. Diante de um criminoso ou diante do Presidente eles sempre querem saber a respeito da primeira escola daquela pessoa, de sua primeira professora e coisas semelhantes. Faz-se aí uma relação direta, até mesmo ingênua às vezes, a respeito de quanto um cidadão é formado ou não pela escola. Creio que se nossa sociedade pensasse dessa maneira, mesmo que ingenuamente, isso seria um ganho para a escola. Todavia, a presidente da APEOESP não acerta quando insiste que esse modo de avaliar é o único que realmente deve ser levado adiante. O método de avaliação do secretário Paulo Renato, que é o das provas individuais, está correto e é sim um modo de mensurar o saber do professor. Com exames, o professor é incentivado a estudar. Ainda que, em algumas avaliações, exista problema na preparação das provas, não há dúvida que a época de concursos e provas é um período muito útil na vida do professor. Depois que passa, ele próprio diz que “valeu a pena”. Ora, mas se é assim, onde está o problema?

O problema conjuntural pode ser o da qualidade da prova aplicada. Mas o problema estrutural, e é esse que importa aqui, é que as provas são aplicadas aos professores enquanto estes se mantém em condições extremamente desgastantes e infrutíferas e, além disso, não são o real instrumento de promoção na carreira do magistério. Ou seja, as provas são aplicadas em professores que estão ganhando muito pouco, abaixo de qualquer outro trabalhador com os mesmos anos de estudo, e isso é altamente desmotivador. Os salários são tão aviltantes (7 reais a hora-aula!) que a própria condição de vida do professor é afetada. Ele não se sente cidadão e, portanto, não vê como poderia formar outros cidadãos. Não se pode querer aplicar uma política que prevê provas para a promoção dos professores a partir de um patamar zero de ganhos. É necessário que aqueles que vão se submeter às provas promocionais estejam já em algum patamar digno, caso contrário não terão força suficiente para galgar o primeiro degrau.

Se não bastasse isso, há ainda a denúncia correta da presidente da APEOESP contra Paulo Renato, que diz respeito ao modo como a promoção é feita: somente 20% dos professores podem fazer a prova e, talvez, ficar esperando ter algum benefício salarial advindo daí. Ora, 20% é muito pouco. Se 80% de uma categoria de trabalhadores da educação não tem chance de promoção pelo único critério escolhido pelo governador, é possível dizer que, neste caso, há uma política educacional neoliberal vigente? Não! Isso não é uma política neoliberal, como alguns da esquerda dizem. Uma política neoliberal autêntica forçaria a produtividade individual e, para que isso viesse a resultar em uma boa produtividade no conjunto, faria questão de ver todos os que recebem salários produzindo ao máximo. Uma política educacional neoliberal autêntica inverteria a relação: talvez só 20% ficassem sem acesso às provas promocionais. Ora, essa política de Paulo Renato é muito pouco arrojada para se querer tirar qualquer resultado proveitoso dela. Então, o que ocorre aqui?

Tudo indica que objetivos outros que não os de qualquer política educacional é que dão as prioridades do governo José Serra. Paulo Renato não é secretário da Educação, ele é apenas um político que o governador usa como testa de ferro diante de greves que, de antemão, já se sabe que é possível suportar. Em outras palavras: no cômputo geral do dinheiro de São Paulo, o governador tem outras prioridades (talvez até algo não confessável) e um dos setores deverá se sacrificar em benefício de outros. A educação pública foi escolhida para o sacrifício e, no interior desta, a categoria dos professores é a menina dos olhos de Serra para ser punida. Uma greve de professores se torna logo impopular – isso o governador sabe bem. E uma escola pública capenga em qualidade, para um Brasil pobre, é até mais do que o trabalhador sonha. Os grupos de classe média? Bom, esses grupos que se virem e paguem escolas particulares, ainda que estas, na atual situação, também não estejam lá muito bem das pernas em termos de qualidade pedagógica.

Diante disso, o ensino público paulista sobreviverá? Não! Não há qualquer chance para ele se essa política continuar. No momento em que escrevo os professores paulistas estão em greve. Creio que pode ser uma das últimas greves dessa categoria antes de um real colapso que, depois, será negado através da maquiagem das estatísticas.

Paulo Ghiraldelli Jr, filósofo

Um comentário:

Anisio Teixeira disse...

Eu estudei em escola pública noturna e posso dizer que os professores não são preparados para lecionar e nem para passar numa prova de conhecimento da sua matéria.

Também posso dizer que o salário é ridículo e os que lecionam, mudariam de profissão assim que houvesse uma oportunidade. Professor em SP é uma mistura de vocação e conformismo.

Tem que qualificá-los, todos, sem redução do salário, e os piores, fora da sala de aula.

Sobre o teórico e o pratico das Fac de Educação, quantas tem escola de aplicação na sua estrutura?
Na maioria vendem ideologia barata, marxismo de boteco.