28 outubro, 2007

Fatalismo

Na tarde em que 46 senadores da república, protegidos pelo caráter secreto tanto do voto quanto da própria sessão, decidiram absolver Renan Calheiros do primeiro pedido de cassação feito pelo Conselho de Ética do Senado, os últimos petistas do país entraram em profunda depressão.

Sabemos que muitos senadores do próprio PT, por razões obscuras que a meu ver excedem o pretexto da “governabilidade”, votaram ou se abstiveram de votar pela absolvição de seu nobre colega.

Se desde 2005 os eleitores e militantes não sabem quantos, entre os políticos eleitos pelo PT, permanecem petistas, agora temos a impressão de que a sigla nos foi definitivamente roubada. Aqueles que se consideram petistas em função do compromisso histórico com o projeto político e os valores éticos que o partido um dia representou perderam qualquer condição de ostentar o simpático símbolo da estrelinha.

Projetos políticos talvez não resistam intactos à experiência concreta do poder: é próprio da democracia que um governo seja forçado a negociar suas promessas de campanha. Mas compromissos éticos deveriam ser, pela própria natureza, inegociáveis. Não podem ser negociados a depender dos interesses, declarados ou obscuros, dos representantes do povo.

A depressão, que Walter Benjamin chama elegantemente de melancolia, é indissociável do fatalismo, este sentimento de insignificância que nos toma quando nos vemos diante de forças que ultrapassam qualquer possibilidade humana de ação. Chamamos de fatalidades as grandes catástrofes naturais diante das quais o engenho humano pouco ou nada pode. Chamamos de fatalistas aqueles que se demitem diante do que consideram um destino inelutável.

Fatum, fado, destino fatal. Contra a fatalidade, nada se pode fazer. Mas contra os outros desafios e reveses da vida, contamos com o que? Com a coragem e a criatividade. E acima de tudo, com a ação política.

O fatalismo melancólico, escreveu Benjamin, nos abate quando nos vemos diante de um “mundo vazio”. Vazio de nossa intervenção, num quadro em que as ações humanas são privadas de valor. A economia, no governo Lula, vai bem. Um tímido projeto político de distribuição de renda e justiça social está em andamento, com resultados favoráveis aos mais pobres. Mas a lógica econômica não pode prevalecer sobre a ética na política. Um governo que não consegue sustentar nenhum preceito simbólico superior aos interesses econômicos – ou o que é pior, no cenário atual, aos interesses corporativos e privados – lança a sociedade em um cenário de “topa tudo por dinheiro” que põe em risco a própria ordem social. Um governo que fecha os olhos para a falta de ética, de decoro e de transparência em nome da governabilidade produz, na sociedade, efeitos ingovernáveis – além de uma descrença generalizada, próxima do abatimento melancólico.

Walter Benjamin escreveu que a melancolia fatalista, no quadro da luta de classes, é provocada pela “identificação afetiva com os vencedores”. É quando os derrotados abrem mão de sua história e abandonam sua perspectiva, fascinados pelo “cortejo triunfal” dos que os derrotaram. A famosa frase “não existe um documento da cultura que não seja, ao mesmo tempo, um documento da barbárie” coroa o límpido argumento de Walter Benjamin. Se um dia os vencedores de turno, que já se curvaram de maneira fatalista ante as condições impostas pelas velhíssimas oligarquias ao exercício da política no Brasil, resolverem erguer um monumento à sua vitória, quero ficar fora dele.

(...)

Maria Rita Kelh

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