29 abril, 2008

História e memória

O historiador britânico Eric Hobsbawm é autor de uma das principais sínteses interpretativas sobre a história do capitalismo, escreveu uma extensa e respeitada obra abrangendo desde das revoluções do século XVIII (industrial e burguesa) até as lutas que polarizaram o século XX. Uma de suas obras que mais me chamou atenção foi a “A Era dos Impérios: 1875 -1914”, mais especificamente o texto de introdução onde o autor demonstra o problema de trabalhar com a história dos acontecimentos recentes.
Ele considerou ser mais difícil trabalhar com o passado recente que aquele cronologicamente remoto, como a revolução francesa; ao analisar a revolução russa, por exemplo, o historiador no século XX depararia-se com uma dupla dificuldade: além de todos os problemas advindos do olhar para o passado, quando lidamos com a época que diz respeito a pessoas que ainda estão vivas, ou em que as testemunhas de época ainda exercem alguma influência nos dias atuais, pesa sobre a análise a pressão exercida pela memória.
“Para todos nós há uma zona de penumbra entre a história e a memória; entre o passado como um registro geral aberto a um exame mais ou menos isento e o passado como parte lembrada ou experiência de nossas vidas. Para os seres humanos individuais essa zona se estende do ponto onde as tradições ou memórias familiares começam – digamos , da foto de família mais antiga que o familiar mais velho pode identificar ou explicar – ao fim da infância, quando se reconhece que os destinos público e privado são inseparáveis e se determinam mutuamente”.
Neste livro, o autor tinha uma relação muito íntima com o período estudado, ele próprio era filho de judeus imigrantes do continente vivendo na Inglaterra imperial que, após se conhecerem e se casarem, foram morar em Alexandria (Egito), onde nasceu Eric em 1917, ano da revolução russa. Confundindo-se a historia de vida de sua família com o período estudado, de modo que, temas como migrações européias, circulação de pessoas dentro do império britânico, sionismo, anti-semitismo e colonialismo diziam respeito diretamente ao autor, sem que ele os tenha testemunhado.
Antes de estudar os acontecimentos dentro desta "zona de penumbra", ele já fazia uma idéia dela em sua mente, graças ao testemunho de pessoas que ainda estavam vivas, não apenas de sua família, mas por jornalistas, políticos, intelectuais e artistas influentes em seu presente e que relatam os acontecimentos.
Seguindo esta proposição, a minha “zona de penumbra” encontraria-se entre o início do século XX (terceira ou quarta década) até mais ou menos a década de 80. Eu nasci em 1983 e não presenciei, por exemplo, o regime militar brasileiro de 1964 a 1988, mas a maioria das pessoas que conheço, quase todas as que exercem alguma influência direta sobre mim, viveram este período e me fazem uma imagem dele, lógico que uma imagem distorcida, como não poderia ser diferente. Da mesma forma a Era Vargas, a segunda guerra mundial, o nazi-facismo e as revoluções do século XX fazem parte da minha “zona de penumbra”.
Trabalhar com a história do século XX significa também mexer com a história de vida de pessoas que estão vivas, e com a memória que seus filhos e netos possuem, sendo eu mesmo uma dessas pessoas. Ao fazer esta história dialogamos com a percepção que temos a priori sendo preciso superar o testemunho da memória.
A memória que temos do nazismo, por exemplo, começou a ser apagada/criada em 1945, quando no julgamento de Nurenberg apenas 24 pessoas foram processadas como responsáveis pelas atrocidades cometidas nas décadas anteriores. Já naquele julgamento muitos comandantes militares redigiram em sua defesa que o único responsável pelo nazismo era Adolf Hitler, e que eles haviam sido obrigados a dirigir campos de concentração e executar sumariamente prisioneiros de guerra e militantes socialistas por ordem do líder. Os historiadores que analisam a Alemanha nazista atualmente sabem que uma parcela considerável da população alemã apoiou o regime, mas este tem sido um fardo doloroso para a Alemanha atual, o mesmo acontece na França que, quando ocupada por Hitler, viu sua burguesia receber o Fuher de barcos abertos, mesmo que na memória dos franceses só tenha permanecido a lembrança dos franceses que resistiram refugiados na Inglaterra.
No entanto, em história não se pode permitir que um personagem seja demonizado. Hitler é filho de uma realidade histórica específica, assim como a burguesia alemã que apoiou o nazismo. Podemos afirmar isso sem que esqueçamos o que permeou aquela realidade histórica alemã que é o capitalismo e o imperialismo, em suma, a intolerância na busca do lucro - o que não é muito diferente do que vivemos hoje, vejamos o Iraque.
Hobsbawm que testemunhou estes acontecimentos em Berlim na década de 30, mesmo sendo marxista, tem uma explicação muito mais contemporizadora sobre as motivações que embalaram aquelas pessoas, talvez melhor do que a explicação de muitos historiadores afoitos em encontrar meia dúzia de culpados. A seu ver, existia na Alemanha das décadas de 30 e 40 uma polarização extrema da sociedade, onde um jovem intelectual como ele deparava-se com dois caminhos apenas, ou alistava-se nas fileiras do socialismo ou apoiava o nazi-facismo, em sua autobiografia (Tempos Interessantes) afirmou que ele próprio, talvez tenha optado pelo socialismo mais pelo fato de ser judeu.
Mas estaria sendo Hobsbawm contemporizador por ser uma testemunha direta e por ter entre seus íntimos hoje, homens que estiveram do outro lado no passado? Talvez. Na minha opinião ele está dizendo que existem outras motivações que levam pessoas a aderir a movimentos sociais, além das idéias: interesses econômicos, étnicos e culturais, por exemplo.
Dessa forma, momentos críticos de nossa história são esquecidos pela memória e em torno desta memória ,falseada, ergue-se uma tradição que tende a reforças apenas os atos heróicos e irreprováveis de alguns agentes históricos. É para isto que serve o relato laudatório, a narrativa familiar, a homenagem póstuma e a nomeação de ruas com o nome de pessoas importantes; para que nunca alguém conteste a origem gloriosa e bondosa da elite que está no poder.
Portanto, não podemos de maneira alguma temer que o estudo do passado possa revelar feridas do presente, do contrário só faremos uma história do século XX no futuro.

4 comentários:

Anônimo disse...

Normalmente uma seqüência de posts e comentários como estes me causaria algum divertimento, derivado do fato de ver os debatedores do outro lado se cobrindo de ridículo sem que fosse necessário nenhum esforço da minha parte. Mas não é este o caso. Por um lado o ridículo não surpreende, antes é o que se espera. Chega a ser um pouco cansativo. Por outro, há a falta de respeito reiterada. Mas vamos lá.

Somente alguém que não leu uma única linha sobre o nazismo poderia dizer que o capitalismo “permeou aquela realidade histórica”. Você tem idéia da barbaridade que perpetrou? Você tem alguma idéia de como era a organização econômica na Alemanha nazista? Hobsbawm revira no túmulo com o seu uso do que ele escreveu e, pior, do que ele não escreveu. Poderia aconselhá-lo a parar de ler as interpretações e ir direto às fontes primária, mas temo que o resultado pudesse ser ainda pior.

Mas isso não é o mais grave. O mais grave é que você deixa para o final o real motivo do seu texto: afirmar que “a nomeação de ruas com o nome de pessoas importantes; para que nunca alguém conteste a origem gloriosa e bondosa da elite que está no poder”. Que pirueta retórica grotesca! Que falta de capacidade lógica! Qual a ligação entre o seu arrazoado de memória e história e esta afirmação? Qual o encadeamento lógico? É só a sua opinião?

Como eu disse, estas discussões estão cansativas, pois vocês reagem exatamente como se espera, com a fuga para frente. E reagem em grupo, revezando-se nas tentativas de responder ao irrespondível. Vejamos o que vem pela frente.

Anônimo disse...

Alto lá, Luis Fernando! O companheiro bloguista é atendente de PA, ex-presidente do CA de não sei onde e estudante de história, o que o qualifica como um das pessoas mais preparadas para falar sobre o que não sabe.

Parece que esse é o objetivo do "colunista": falar e repetir um discurso sem sentido, sobre o qual não tem domínio, mas que alguém pediu para fosse repetido.

O respeito aos ausentes que mencionei num comentário anterior, como já disse, não se aprende nas escolas, nos CAs, nem nos PAs. Isso vem do berço. Mas como também já disse, aí é exigir demais.

Boa educação não é definitivamente a característica mais marcante do esforçado (e falador) candidato a bacharel.

Fábio Cassimiro disse...

Dr. Francisco, Luiz Fernando ou José Ricardo,

Eu não entendi porque você precisa usar um nome para criticar o meu texto e um outro nome para me fazer ataques pessoais.

Gostaria de te lembrar que capitalismo não é a mesma coisa que liberalismo, talvez você esteja confundindo as duas coisas. Essa prática econômica foi adotada no século XVIII e abandonada pelas potências européis após a crise de 1875, quando as potências européis mais antigas estavam perdendo espaço no mercado para a Alemanha, principalmente.


Sobre os documentos, realmente eu não tive acesso aos documentos do nazismo, não sou um historiador deste assunto, prefiro os documentos da cidade de Sorocaba no século XX, principalmente aqueles que relacionam o envolvimento da elite sorocabana com o autoritarismo. Aqueles que você não gosta.

Anônimo disse...

Fábio
Seu comentário comporta duas possíveis respostas. Uma simples: CQD. Ele confirma tudo quando eu esperava de você, nada mais, nada menos. A outra possibilidade é um pouco mais longa e mais adequada à capacidade de compreensão. Vou desenhar então pra você entender. Primeiro as questões higiênicas, depois as de fundo:
Eu sou só um e todos meus comentários trazem meu nome. Claro que você sabe que eu não sou o outro comentarista, basta ver o endereço IP. Se você não souber fazer isso, basta pedir ajuda. Mas não assuma que eu procedo como você. Eu sou eu e minhas opiniões, não sou legião.
Legião é a estratégia que vocês donos do blog adotam. Primeiro o Dr. Carvalheiro escreve o artigo, depois o Sr.Daniel se abespinha e agora você é convocado para este papelão.
Sua ignorância orgulhosa a respeito de História e Economia não me surpreende. Se você é acadêmico da USP, só posso lamentar. Mas não vou lhe ensinar capitalismo e nazismo. Se seus trabalhos acadêmicos sobre a “zelite sorocabana” podem prescindir da compreensão de conceitos tão básicos, tanto pior. Prometo não lê-los.
Estou caminhando e andando para o nome dos viadutos. Dar nomes às ruas, praças e viadutos é dessas tarefas que os vereadores e deputados se ocupam. No que me diz respeito e se perguntado, preferiria que meu avô não recebesse tal homenagem. Ela é desnecessária para os que o conheceram. E provocou este tipo de ataque covarde.
Naturalmente que esta discussão toda não é sobre viadutos ou sobre a relação das “zelite sorocabana” e o autoritarismo. O problema é que vocês resolveram usar o nome do meu avô para fazer sua politiquinha paroquial. Colam a homenagem ao integralista à deputada tucana e saem felizes da vida. “Provaram” que tucano é sinônimo de fascista.
A falta de discernimento de vocês advém do fato que vocês não consideram mais nada, só a sua “luta” política ridícula. Neste caminho vocês usam a História para fazer proselitismo da pior espécie e desrespeitam a memória de pessoas que nada tem a ver com a sua luta e que não podem se defender de ataques torpes como estes.
No que me diz respeito, petistas e tucanos podem dançar este minueto patético o quanto quiserem, não terão a minha audiência. Somente quem observa de fora pode ver quão constrangedor é o espetáculo.
Agora, deixe meu avô em paz. Quaisquer que tenham sido os seus erros juvenis, ele viveu uma vida longa e produtiva e criou uma família que pode se orgulhar de sua memória. O saldo é amplamente positivo. Eu somente posso aspirar um dia olhar para trás e ter vivido de forma tão construtiva. Não sei das suas aspirações, mas sei que você, Daniel e Sr.Carvalheiro não estão qualificados para julgar meu avô. Mais uma vez, deixe-o em paz.