Perversidade, futilidade e ameaça. Esses são os argumentos básicos que, de acordo com Albert O. Hirschman, os conservadores utilizam para criticar políticas que podem introduzir mudanças progressistas na ordem social. Como tais políticas perseguem, em geral, objetivos nobres, os conservadores não podem a elas se opor frontalmente. É necessário desqualificá-las. Assim, tenta-se mostrar que elas produzem efeitos inversos aos pretendidos (argumento da perversidade), ou que elas não têm resultados (argumento da futilidade), ou ainda que tais políticas põem em risco outras conquistas (argumento da ameaça).
No Brasil, ante o êxito das internacionalmente elogiadas políticas sociais do governo Lula, a retórica conservadora vem assestando suas baterias contra seus principais programas, notadamente o Bolsa Família. Argumenta-se que o Bolsa Família não diminui a evasão escolar e tem pouco impacto distributivo (argumento da futilidade), que tal programa aumenta a dependência dos beneficiários em relação ao poder público, em vez de promover sua autonomia como cidadãos (argumento da perversidade), e ainda que o Bolsa Família, ao usar escassos recursos públicos de forma fútil, põe em risco a necessária melhoria da educação (argumento da ameaça).
Mas vamos aos fatos.
Os resultados do suplemento da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad/IBGE), de 2006, sobre acesso a programas de transferência de renda, são elucidativos. Os dados demonstram, em primeiro lugar, que os programas, que beneficiam cerca de 10 milhões de lares brasileiros (18,3% do total), estão bem focados nos domicílios de baixa renda e nas famílias mais numerosas. Com efeito, o rendimento médio per capita dos domicílios que receberam benefícios era, em 2006, de R$ 172, contra R$ 699 daqueles que não receberam.
Ademais, os domicílios beneficiados têm, em média 4,6 moradores, contra 3,4 moradores dos lares que não recebem auxílios. Outro dado importante tange ao fato de que, nos domicílios beneficiados, 67,9% dos moradores se declararam pretos ou pardos, ao passo que, nos não-beneficiados, tal número foi de apenas 43,4%, o que indica que tais programas podem contribuir para diminuir as desigualdades raciais.
Em segundo, a pesquisa também comprovou que os programas melhoram a situação social dos beneficiados e reduzem o trabalho infantil. A Pnad captou que, embora tenha aumentado, em todos os domicílios, a posse de bens duráveis, graças ao crescimento econômico e ao incremento dos rendimentos, esse aumento foi maior nos lares que receberam os benefícios. No que tange ao trabalho infantil, verificou-se o mesmo fenômeno. Houve redução em todos os domicílios, mas a redução naqueles que recebem benefícios (de 15,6%, em 2004, para 14,4%, em 2006) foi maior do que a verificada nos que não auferem (de 9,8% para 9,6%, no mesmo período).
Entretanto, o resultado mais interessante desse suplemento da Pnad diz respeito à educação. Os dados demonstram que os domicílios beneficiados apresentam altas taxas de freqüência escolar, muito próximas às apresentadas pelos domicílios não-beneficiados, o que não deixa de surpreender, dadas às grandes desigualdades na renda dessas duas classes de domicílios. Saliente-se que nas regiões Nordeste e Norte, principais beneficiadas pelo programa, os índices de freqüência escolar dos domicílios beneficiados são até maiores do que os dos demais domicílios para a faixa etária do ensino obrigatório (7 a 14 anos).
Embora seja ainda muito cedo para se aferir o impacto real desses programas na educação do brasileiro, tais informações, somadas aos estudos específicos realizados pelo Ipea e o Banco Mundial, permitem inferir que os programas sociais do governo Lula estão bem focados, têm efeitos relevantes na redução da pobreza e da desigualdade social e criam condições para que seus beneficiários tenham uma "porta de saída" nas oportunidades geradas pela educação. Contudo, a melhoria da educação, condição sine qua non para garantir essa porta de saída, continua a ser o principal desafio estrutural do Brasil.
Assim sendo, a retórica conservadora contra o governo Lula e seus programas sociais vem se tornando cada vez mais ideológica e sem sustentação empírica. Tende a repetir os surrados argumentos da perversidade, da futilidade e da ameaça. Se continuar assim, corre o risco de não apresentar resultado algum, ou de produzir resultado contrário ao esperado, ainda que tenha o potencial de ameaçar, no futuro, essas conquistas de todos os brasileiros.
ALOIZIO MERCADANTE , 53, economista e professor licenciado da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), é senador da República pelo PT-SP.
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