04 abril, 2007

A Bolívia precisa fracassar

A Bolívia não pode dar certo. Um índio não pode ser um bom presidente da república. A economia do país não pode crescer sob a direção de um partido fundado nos movimentos sociais.

Os recursos naturais não podem ser dirigidos por um governo composto por dirigentes indígenas e sindicais.A Assembléia Constituinte tem que fracassar, não pode dar lugar à construção de uma Bolívia multicultural, multinacional e multiétnica, porque isto fere as teorias liberais. O governo de Evo Morales tem que fracassar na construção de uma imensa democracia social, econômica e cultural.

A Bolívia tem que fracassar, para que se comprove o lema fundamental do capitalismo: “Civilização ou barbárie”, em que a civilização foi definitivamente assumida e identificada com a cultura branca, ocidental, cristã, anglo-saxã. O resto – a África, a Ásia, os índios, os negros, os mestiços da América Latina, os negros dos EUA – enfim, todos os não brancos.Hollywood já nos ensinou: os “mocinhos” são os “cow-boys”, que lutam contra os maus – os índios os “peles vermelhas”, traiçoeiros, expressão da barbárie em pleno solo yankee.

Hollywood já criminalizou os japoneses, os chineses, os coreanos, os africanos, os árabes, os mexicanos – e, através destes, todos os latino-americanos.Já aprendemos quem é bom e quem é ruim, quem é feio e quem é bonito, quem (supostamente) ganha e quem perde.De repente, um índio se torna presidente da república. É inaceitável. Bastou John Wayne – o “americano indômito” – descansar, para que os índios ataquem novamente. Ocupem o Palacio Quemado, dirijam ministérios, uma Assembléia Constituinte, falem em nome do povo boliviano, se apropriem das riquezas naturais – da terra, da água, do gás, do petróleo.

Se o governo da Bolívia der certo, haveria que revisar tantas coisas, haveria que rediscutir o que é civilização e o que é barbarie, haveria que questionar a dominação capitalista do mundo, a hegemonia européia e norte-americana. A ditadura do dinheiro, das armas e da palavra estaria ameaçada.Por tudo isso e por muito mais, a Bolívia de Evo Morales não deve e não pode dar certo.

Mas está dando certo.

Aí começam os problemas.

Um comentário:

Reinaldo disse...

Texto muito bom, Eliton.